quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Na guerra da informação morre a verdade


Por ELIO GASPARI - O Globo

Não é o caso de se começar o que o governador José Serra chamou de uma “guerra de informações”, em torno dos desastres de seus policiais. Nas guerras prevalece o mais forte, e nem sempre ele tem razão. O surto de incompetência e dissimulação apresentado pela polícia e pelo governo de Serra é apenas um caso de malversação do poder.
O governo paulista varre para debaixo do tapete o motim de uma parte do grupo de elite da Polícia Civil mobilizado para ajudar a PM a conter a manifestação da quarta-feira passada.

Esses policiais abandonaram a posição em que estavam e mudaram de lado, aderindo à passeata. Alguns tinham armas. Ecoaram os fuzileiros navais que, em 1964, deixaram os oficiais a ver navios e aderiram à baderna dos marinheiros amotinados no sindicato dos metalúrgicos, no Rio.
Serra não deveria demonizar o PT e o deputado Paulinho da Força, responsabilizando-os pela passeata que pretendia seguir até o Palácio dos Bandeirantes. A manifestação se movia em lugar proibido e bastaria esse argumento. Ademais, Paulinho já era o notório Paulinho quando apoiou a candidatura de Serra à prefeitura de São Paulo, em 2004.
Nessa transação seu PDT ganhou a Secretaria do Trabalho. Para efeito de raciocínio, admitase que mexer com a rebelião dos policiais poderá radicalizar uma divisão na categoria. Tudo bem. Então tome-se o caso do seqüestro das jovens Eloá Cristina Rodrigues e Nayara Rodrigues da Silva. Nele não houve política.
As duas meninas ficaram em cativeiro durante 100 horas, tempo suficiente para que uma polícia capaz desfizesse a malfeitoria. Num lance inédito na história dos seqüestros, permitiram que uma refém menor de idade voltasse ao local do seqüestro.
Fizeram isso sem a autorização de seus pais. Se uma mulher quiser embarcar para a Disney com a filha de 15 anos é obrigada a mostrar a autorização do pai à Polícia Federal. Para entrar no valhacouto de um delinqüente não foi necessária nenhuma das duas. O coronel Eduardo Félix, comandante do Batalhão de Choque da PM, disse que colocaria seu filho em situação semelhante, mas, ofendendo a lei, ele pôs a filha dos outros.
O pai de Nayara, o metalúrgico Luciano Vieira da Silva, foi expulso do posto de comando das operações da PM. Seu crime foi ter-se exaltado quando lhe disseram que não poderia falar com o comandante. Em vez de desentocar o bandido, chuçaram o pai da vítima. A tragédia terminou com a morte de Eloá e com Nayara ferida no rosto. O seqüestrador saiu ileso.
O comandante do Policiamento de Choque, coronel Eduardo Félix, defendeu sua operação tabajara dizendo que não atirou no bandido por se tratar de um “garoto em crise amorosa”.
Romântico o coronel, mas ele foi além: “Se a operação tivesse sido bem-sucedida, os policiais estariam sendo aplaudidos e o resultado não seria contestado.” Bingo. Se o goleiro Barbosa tivesse defendido o chute de Ghiggia em 1950, teria sido aplaudido.
Fracassar é uma coisa, apresentar justificativas néscias, bem outra. A patuléia não é volúvel, ela até prefere aplaudir a polícia. Descarregar o infortúnio nas justas reclamações de quem lhe paga o soldo é covardia a serviço da empulhação.
Na “guerra de informações” da polícia paulista a primeira vítima foi a verdade. A segunda, a inteligência.

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